Uma cerimônia discreta com um tricampeonato, uma chuva de bicampeonatos, duas grandes surpresas, uma grande injustiça reparada e o que pode ter sido o começo do fim de um relativamente curto, porém intenso reinado. Esse foi o Emmy 2009.
Na ressaca da premiação, mais uma vez o tom é de reclamação dos fãs de séries mais populares, que continuam revoltados com o fato de séries pouco vistas levarem a melhor na contagem final. Também não deve estar satisfeita, mas contraditoriamente um pouco aliviada, a CBS, organizadora do evento esse ano, que atraiu segundo dados iniciais 13 milhões de telespectadores nos Estados Unidos. Comparando com os 12 milhões do ano passado e considerando que um jogo de futebol americano fazia concorrência, até que não são números tão ruins. Mas Mad Men e 30 Rock somados não chegam ao mesmo número com suas audiências semanais médias somadas. E pra quem não entende o que de tão bom a Academia vê nessas duas séries, a opção de não ligar a TV em 2010 é até provável. Quanto mais as duas séries fazem por merecer suas vitórias, mais se tornam vilãs aos olhos de quem coloca o Emmy no ar.
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O show
Ainda que longe do desastre do ano passado, quando colocaram apresentadores de reality show completamente desentrosados para aparesentar o Emmy, o talentoso Neil Patrick Harris de How I Met Your Mother não teve um grande desempenho como mestre de cerimônias. Simpático e bem humorado, teve alguns bons momentos, mas deu a impressão de que não quis correr grandes riscos. Sua campanha para que as pessoas vejam televisão e não fiquem na Internet, por exemplo, está há alguns anos atrasada. Harris também foi um dos produtores do Emmy desse ano, que deixou a impressão de tentar copiar o bom desempenho que o Oscar conseguiu depois de várias edições frustradas. Cenários mais modernos, edição mais enxuta, até número musical teve. Com o porém de que Harris não é Hugh Jackman. A sensação que fica é que o ator deixou a porta aberta para ser convidado para o mesmo tipo de trabalho no futuro. Mas que se ninguém o convidar, não será um grande absurdo.
A novidade no formato do Emmy foi dividir o show em segmentos. Primeiro foram entregues os prêmios de comédia, seguidos pelos de reality show, minisséries e filmes feitos para TV, shows de variedades, chegando enfim nos esperados prêmios de drama. Mesmo com a importância da categoria melhor série de comédia, não fez muito sentido deixá-la para a reta final, enxertado no meio dos dramas. Até porque todo mundo já sabia quem seria o vencedor, não havia necessidade de fazer suspense. De resto, parabéns aos produtores pela melhor organização da pauta. Mas que eles tenham em mente que correram sérios riscos de perder ainda mais audiência. Se a vitória de séries pouco vistas já desagrada a parte do público, imagine o risco que é colocar os telespectadores diante de vários prêmios seguidos para minisséries e filmes para TV, atrações quase sempre escondidas em canais fechados como a HBO ou educativos como a PBS.
Também não deve ter ajudado o fato de que as premiações para reality show e show de variedades terem sido uma reprise de tudo que já vimos nos últimos anos. Desde que o prêmio de melhor reality show foi instituído, só deu Amazing Race. Como ontem. No ano passado surgiu a categoria de apresentador de reality show, tendo como vencedor Jeff Probst, de Survivor. Que ontem voltou a vencê-la. E se tem gente que esperneou ao saber que 30 Rock foi tri e Mad Men bicampeã, imagine o quão reconfortante deve ser para elas saber que The Daily Show with Jon Stewart chegou ao hepta em 2009. O mais assustador pra quem teme que o mesmo fenômeno possa ocorrer com as séries é que todas as hegemonias citadas podem ser consideradas justas.
Comédia
O primeiro prêmio da noite foi o de atriz coadjuvante em série de comédia, que acabou nas mãos da pequenina Kristin Chenoweth, a Olive Snook da cancelada Pushing Daisies. Se a série perdeu um pouco de fôlego na sua derradeira temporada, o mesmo não pode ser dito de Chenoweth, que sempre foi a parte mais encantadora do programa. É uma pena que ela não terá chance de concorrer outras vezes pela mesma personagem. Mas como disse no discurso de agradecimento (o único feito em meio a lágrimas em toda a noite), ela está disposta a respirar novos ares, tendo citado Mad Men, The Office e 24 Horas como shows dos quais ela gostaria de participar. Além de tudo é esperta a moça.
Entre os atores coadjuvantes, a vitória inesperada de Jon Cryer, o completo loser Alan Harper de Two and a Half Men. Inesperada principalmente porque o favoritismo era de Neil Patrick Harris (sim, ao mesmo tempo apresentador e concorrente ao Emmy) e Rainn Wilson, talvez os dois únicos indicados que tenham no currículo papéis diferentes dos que representam atualmente na TV. Mas com a surpreendente não-indicação do tricampeão Jeremy Piven (Entourage), a única afirmação possível era de que tudo poderia acontecer, já que nenhum dos indicados tinha um histórico vitorioso no Emmy. Muita gente está reclamando da vitória de Cryer, mas a verdade é que ele é o coadjuvante que roubas cenas cotidianamente naquela que é a comédia mais bem sucedida da TV americana em termos de audiência desde o fim de Seinfeld, Friends e Will & Grace. Não é pouca coisa.
Ainda sobre Cryer, vale destacar que ele chegou a ganhar o apelido de Pilot Killer, pelo tanto de episódios-piloto de novas séries do qual participou e que acabaram não ganhando seu lugar ao sol. Muitos anos depois, ele acaba recebendo um Emmy. Quer algo mais "sonho americano" que isso? Quer algo que encante mais uma premiação de indústria americana do que isso?
Esperemos no entanto que ele não chegue ao bicampeonato, que seria um exagero. Já basta ter de ver o canastrão Alec Baldwin atigindo tal feito como ator principal de comédia. Aliás, se algo encanta mais as premiações do que um bom e velho "sonho americano" é um ator representar mais de um papel ao mesmo tempo. E foi com um episódio onde ele interpreta um, veja só, canastrão de novela mexicana, que Baldwin chegou ao bicampeonato. Aqui cabe o registro: cada ator inscreve um episódio para ser levado em consideração pelos votantes. A escolha de um bom episódio tem sido algo importantíssimo no resultado final do Emmy. Por exemplo, no ano passado Baldwin tinha uma cena genial onde, veja só, interpretava vários personagens em uma sessão de terapia imaginária.
Não vou negar que Baldwin provoca algumas boas risadas em 30 Rock, mas é fato que, se ele não fosse famoso pelo seu trabalho no cinema, talvez nem tivesse ganho um Emmy ainda. E ainda mais dificilmente chegaria a um segunda vitória consecutiva. Ele funciona muito bem no papel de canastrão, mas seu domínio nessa categoria é no mínimo discutível. Enquanto isso, Steve Carell de The Office, que há anos aposta no desenvolvimento dos sentimentos de um personagem que poderia muito bem ser apenas caricato, segue sem um Emmy na estante de casa. E a julgar pela recepção que teve em sua primeira noite de glória, o bom Jim Parsons de The Big Bang Theory, parece ter assumido o posto de principal rival de Baldwin no Emmy. Pobre Carell.
A múltipla personalidade em cena (aqui parte fundamental da trama) também ajudou para que Toni Collette desbancasse Tina Fey no prêmio de melhor atriz em série cômica. Fazendo o papel-título de United States of Tara, Collette tem em mãos 4 personagens dentro de uma só, e aproveitou-se bastante disso. Como atuação, o trabalho dela pode ser considerado bem superior ao de suas concorrentes. A pergunta válida aqui é se é justo premiar uma boa atriz por um bom papel em uma série que não conseguiu dizer a que veio.
Tina Fey, imbatível nas últimas premiações, pode estar vendo ruir o seu reinado, por uma série de motivos. O primeiro é que para o ano que em ela deve ter também a forte concorrência de Edie Falco, embora Nurse Jackie pareça pouco engraçada para concorrer como comédia. O segundo é que vencer tanto em tão pouco tempo cansa a imagem de qualquer um. E o terceiro e mais importante é que parece difícil para ela levar a sua Liz Lemon a um patamar diferente do que atingiu até aqui. Afinal, se melhorou bastante como atriz, Fey é acima de tudo uma roteirista.
Se serve de consolo para Fey, o já esperado tricampeonato de 30 Rock mostra que esse reinado ainda parece longe de acabar. Um prêmio justo, até porque a série viveu sua temporada mais regular. Falhou em conquistar um melhor índice de audiência, mesmo tendo recebido como convidados pessoas muito populares. O destaque ficou por conta dos arcos que separaram um pouco Fey e Baldwin, colocando-os para contracenar com Jon Hamm e Salma Hayek, respectivamente. Serviu para oxigenar a série e rendeu boas subtramas. Sobre 30 Rock, uma nota pessoal: acho que ele vive um fenômeno parecido com o CQC, por mais que sejam programas completamente diferentes. Incensado por fãs fiéis e tidos como representantes do "humor inteligente", embora apenas reciclem velhas fórmulas, acabam criando uma antipatia em quem facilmente acharia os programa engraçados, mesmo sem endeusá-los.
30 Rock levou também o prêmio de melhor roteiro, categoria na qual tinha 4 das 5 indicações. O prêmio de melhor direção em comédia ficou para o excelente "Stress Relief " de The Office, fazendo justiça à série, que desde o estrelato de Tina Fey e seus asseclas virou coadjuvante total nas premiações, embora seja sempre apontada como a principal concorrente de 30 Rock. Vitória silenciosa entre as comédias para Family Guy, que ontem teve seu dia de gala, ao marcar presença como a primeira animação indicada ao Emmy de comédia desde Os Flintstones.
Drama
A premiação de Drama começou com a reparação de uma grande injustiça. Michael Emerson finalmente ganhou o seu Emmy pelo impagável Benjamin Linus de Lost. No discurso de agradecimento, lembrou que anos atrás foi para o Havaí para fazer uma participação na série e que nunca poderia imaginar o que o destino lhe reservaria. É muito difícil encontrar casos de atores ou atrizes que "pegaram o bonde andando" e acabaram nos passando a impressão de que sempre estiveram ali, e esse é o caso de Emerson.
Porém, nem tudo são flores. Ele acabou ganhando por uma temporada onde nem teve suas melhores intervenções, algo bastante comum no Emmy. Há alguns anos, quando Emerson estava tinindo em Lost, Terry O'Quinn recebeu o reconhecimento tardio pelo seu John Locke. O mesmo acontece agora, já que o ano parecia ser de Aaron Paul (ótimo em Breaking Bad), mas seu dia de glória ficará para depois, porque dessa vez repararam outra injustiça. Quem sabe no ano que vem dá Paul no lugar de outro que merecesse mais e o círculo vicioso continue por toda a eternidade.
A maior surpresa da noite veio com Cherry Jones sendo eleita a melhor atriz coadjuvante por 24 Horas. A categoria era disputadíssima, mas o favoritismo recaía sobre a vencedora do ano passado Dianne Wiest e sobre Rose Byrne, que na verdade é co-protagonista em Damages. Ainda assim, alguns apostavam em mais um prêmio para a ótima Chandra Wilson de Grey's Anatomy ou mesmo para Hope Davis, que fez um belo trabalho em In Treatment. Corriam por fora Sandra Oh, que não teve a melhor de suas temporadas em Grey's, e justamente Cherry Jones, por sua presidente Alison Taylor.
Era difícil acreditar na vitória dela, já que 24 Horas parece ter perdido muito de seu respeito após uma sexta temporada que beirou o ridículo, mesmo que a sétima tenha mantido um bom nível. Jones deu vida a uma personagem que irritou a muitos telespectadores da série, por sua postura teimosa em excesso. Por isso mesmo acho justa a sua vitória. Se a presidente Taylor irritou tanta gente foi porque sua intérprete viveu apaixonadamente as contradições de sua personagem. Vale lembrar que Cherry Jones é uma aclamada atriz de teatro e que seu sucesso nessa área pode ter influenciado na hora da votação.
A partir daqui, só bicampeonatos. Glenn Close, cuja vitória era uma certeza, fez um simpático discurso de agradecimento, no qual fez questão de citar a importância de sua companheira de cena Rose Byrne e revelou que considera Patty Hewes o grande personagem de sua carreira. Declarou isso com uma pontinha de ameaça, no entanto, ao soltar um "dependendo do que os roteiristas fizerem nessa próxima temporada...". Não há muito o que falar sobre Close, uma atriz de primeira linha, que recebe agora no Emmy o reconhecimento que outra Academia, a de cinema, não soube lhe dar.
O bicampeonato de Bryan Cranston como melhor ator deixou muita gente revoltada, mas ele (bem como quem nele votou) não tem a menor culpa se a série é pouco vista. O trabalho dele é tão bom quanto o de seus principais concorrentes, apenas não tem a mesma visibilidade entre o público em geral. Aqui também a escolha do episódio de inscrição parece ter sido essencial, já que seu Walter White pôde ser visto em cenas fortes com emoções bastante contrastantes.
Se o Emmy finalmente pagou o que devia a Michael Emerson, continuará devendo um Emmy ao brilhante Hugh Laurie, da série mais assistida no mundo, House. Vitórias justas, repetidas e intercaladas de James Gandolfini (The Sopranos), James Spader (Boston Legal/Justiça Sem Limites) e agora para Cranston vêm impedindo que o inevitável aconteça. Mais cedo ou mais tarde ele vai acabar ganhando. Mesma sorte não devem ter os também ótimos e merecedores Gabriel Byrne (In Treatment) e Michael C.Hall (Dexter). O primeiro porque sua série pode não mais retornar. O segundo porque ganhar um prêmio por um personagem que é um serial killer é algo bastante complicado. Anthony Hopkins por Silêncio dos Inocentes no Oscar é uma grata exceção à regra.
Como também era previsto, Mad Men conquistou o bicampeonato entre as séries dramáticas. Uma vitória com a marca da AMC, que vai roubando da HBO o posto de canal fechado caprichoso e quase infalível na produção de séries. A verdade é que em termos de produção, direção e roteiro, Mad Men e Breaking Bad estão um patamar acima de praticamente todas as outras, como esteve The Sopranos por muito tempo. Aos olhos dos telespectadores, talvez isso não seja assim tão fundamental, mas convém lembrar que quem vota no Emmy é gente que trabalha na indústria de televisão, cujo olhar é, ou deveria ser, mais treinado para captar certos detalhes.
Mad Men, que assim como 30 Rock dominou a categoria de roteiro em drama, viu um de seus 4 scripts indicados triunfar. A surpresa ficou com E.R. voltando a ganhar um Emmy, dessa vez de direção. A despeito da qualidade do episódio, um prêmio claramente sentimental, para uma antiga favorita da Academia que se despediu depois de quase 2 décadas no ar.
O erro de quem critica a nova vitória de Mad Men é acreditar que estão esnobando as séries mais populares só de birra. A verdade é que para o Emmy seria interessantíssimo ver House ou Lost saírem como vencedores. Mas para fazer frente a Mad Men e outros programas de canais fechados, essas séries terão de voltar ao patamar de suas primeiras temporadas, quando eram tão brilhantes quanto. Para 2010 a perspectiva de que uma série popular vença é maior. Além de sempre haver a possibilidade de uma série estreante ser arrebatadora (lembremos que Lost ganhou o Emmy logo em seu ano de estreia), House ensaia um renascimento após uma temporada bastante irregular e Lost prepara o seu aguardado Grand Finale. Nada impede que no final da cerimônia do ano que vem os fãs de séries pouco vistas é que estejam reclamando que o hype de uma série muito assistida prevaleceu no final...