Destacando as nada sutis diferenças em relação aos eventos europeus da 2ª guerra mundial, The Pacific chegou ao fim no domingo, 13 de junho, aqui no Brasil via HBO. Em seus dez capítulos, vimos um retrato marcante e sobretudo emocionante dos principais conflitos ocorridos naquela parte do mundo e que raramente ganham atenção nos livros de história ou nos muitos documentários disponíveis nos History Channels da vida.
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Essencialmente apoiada na mesma estrutura narrativa de Band of Brothers, The Pacific teve pelo menos duas boas diferenças em relação à sua antecessora: concentrou o foco das ações sob o ponto de vista de 3 personagens e encerrou-se evidenciando o impacto que a experiência exerceu nas vidas de alguns dos homens que sobreviveram à guerra e voltaram para casa, mas que jamais veriam o mundo com os mesmos olhos.
Tecnicamente excelente em sua reconstituição de época, fato que ajudou a corroborar a ideia de ser um documento histórico imperdível (algo que comentei ainda no início da exibição da produção), The Pacific teve como grande mérito a capacidade de equilibrar com eficiência os momentos de ação com aqueles mais pessoais. Afinal, mais do que nos conflitos em si, era na bagagem de vida que traziam e na dependência que se estabelecia entre eles, que surgiam os laços de camaradagem que definiriam a trajetória de cada um daqueles homens durante a guerra.
Nesse panorama, enquanto o capítulo 3, “Melbourne”, fez uma pausa na ação para mostrar o breve período de descanso dos fuzileiros na Austrália (após a intensa campanha de tomada em Guadalcanal) além do curto envolvimento amoroso que Robert Leckie (James Badge Dale) teve naquele país, o 4º, “Gloucester/Pavuvu/Banika" concentrou-se no desgaste físico e mental crescente encarado pelos fuzileiros que tinham não nos japoneses, mas no ambiente inóspito seu pior inimigo até então.
Já o capítulo 5, “Peleliu Landing”, foi o que introduziu definitivamente a figura do franzino Eugene Sledge (Joseph Mazzello), que como parte ativa da batalha mais sangrenta até ali, testemunha a total perda de humanidade que outros combatentes (como Shelton) já tomavam como algo natural. Foi também nesse quinto episódio, e já de volta aos EUA, que John Basilone (Jon Seda), então um herói de guerra por conta de seus feitos em Guadalcanal, reapareceu com maior proeminência atuando a contragosto numa turnê pelo país para vender bônus de guerra ao lado de estrelas do cinema do porte de Virginia Grey (Anna Torv, a Olivia de Fringe).
“Peleliu Airfield” por sua vez, a 6ª parte de The Pacific, foi a que trouxe as cenas mais intensas e bem orquestradas dos combates vivenciados pelos grupos dos quais Leckie e Sledge faziam parte. Nas sequências que seguiram a missão dos fuzileiros de atravessar uma ‘réles’ pista de pouso, vimos o horror intensificado pelas mortes e pelo sofrimento provocado pela combinação de calor e sede constante, além de testemunhamos o momento que culminaria na despedida forçada de Robert Leckie, que ferido em combate, dava adeus ao Pacífico.
E quando o capítulo 7 veio narrando a tomada das monstanhas de Peleliu, a minissérie deu foco ao que os veteranos dizem ter sido uma das campanhas mais duras daquele 1944 quando tiveram imensa dificuldade de avançar sobre um terreno até então controlado com muita vantagem pelos japoneses, que atuando sob uma rede de túneis bem elaborada, inflingiram inúmeras baixas na ofensiva liderada pelos americanos. Ainda desse “Peleliu Hills”, nome do capítulo, destaque para a curiosa atuação de Sledge, que mesmo mostrando incrível fragilidade física, manteve-se como observador arguto e equilibrado (pelo menos até ali) conseguindo sobreviver às mais impensáveis situações, e também para o retrato dos japoneses, que sem jamais se renderem, encaravam o lema de viver ou morrer como máxima absoluta de combate.
E se não dá para falar no teatro de guerra do Pacífico sem mencionar a batalha de "Iwo Jima" (que, registre-se, rendeu dois belos filmes dirigidos por Clint Eastwood em 2006), nada mais coerente que a produção da HBO capitaneada por Tom Hanks e Spielberg tenha dedicado uma pequena parte do oitavo capítulo para mostrar justamente o início daquelas ações. E se as batalhas em si ficaram em segundo plano ganhando espaço apenas no finalzinho, a curiosa trajetória que mostraria o casamento de John Basilone, seu retorno voluntário ao Pacífico e sua consequente morte em combate na ilha de Iwo Jima, serviram para justificar de vez o status de herói de guerra que o sargento ganhou na História.
“Okinawa”, a 9ª e penúltima parte de The Pacific, foi a que expôs a desumanização de Sledge (“Não viemos aqui para matar japas”?, indaga ele a certa altura depois de ser reeprendido por um superior por ter matado um inimigo desnecessariamente) e que particularmente mais me chocou com as cenas de camponeses/pescadores sendo massacrados no meio do conflito. Nesse contexto, destaque para a cena que serviu como o toque de despertar dos limites para Sledge na qual ele teve que decidir o que fazer quando encontrou uma japonesa ferida mortalmente segurando seu bebê aos prantos dentro de uma cabana.
E finalmente chegamos a “Home”, último capítulo da minissérie que serviu de epílogo das trajetórias daqueles que sobreviveram e tiveram em maior ou menor grau, severas dificuldades para se readaptatem na vida normal. E se Leckie sequer esboçou qualquer reação quando soube que a guerra havia se encerrado (afinal, para ele não havia absolutamente nada a se comemorar), a recompensa de estar em casa se traduziu no romance e posterior casamento com a bela Vera e na chance de trabalhar como jornalista, fato que mais tarde abriria as portas para uma carreira literária quase que inteiramente dedicada à história militar. Seu primeiro livro, aliás, ‘Helmet for My Pillow’, serviu de base, ao lado de outro livro, ‘With the Old Breed’ (escrito por Eugene Sledge), para os roteiros da minissérie. E como falei em Sledge, não menos curioso foi ver como a experiência de guerra trasnformou para sempre o franzino menino que embarcou cheio de entusiasmo patriótico e voltou como um homem marcado por traumas que o atormentariam para sempre, mas que também definiram sua personalidade por longos anos até sua morte em 2001.
Ainda que tenha sido emocionalmente inferior em relação a Band of Brothers (talvez por conta da falta de uma figura vitimizada facilmente identificável como a dos judeus na Europa), The Pacific no entanto manteve no mesmo apuro técnico de sua antecessora, os bons elementos que fazem dela uma obra indispensável para quem se interessa pelo tema ou simplesmente quer ter a sensação do impacto que conflitos daquela magnitude representaram. Inquestionavelmente feita como homenagem para veteranos, The Pacific consolidou-se também como importante registro histórico de um período sombrio da nossa humanidade, o que para uma produção com tamanha exposição está longe de ser pouca coisa.